Dez não Ditos ou Face oculta da Profissão Professor
IN: PERRENOUD, Philippe. Ensina Agir na Urgência, Decidir na Incerteza. Saberes e Competências em uma Profissão Complexa. Porto Alegre. Artmed Editora, 2001.
Seria bastante interessante comparar diversas confissões que tentam ocultar ou minimizar seus fracassos ou erros. Não estou interessado, na margem, mas na página, no que constitui o cerne da profissão tal como é exercida por professores comuns, normalmente competentes e respeitáveis. Portanto, não se trata de exceções, seja qual for o número, mas da regra: o ensino parece-me uma profissão da qual alguns componentes principais são ignorados ou amplamente enfeitados nas imagens públicas da profissão de professor em dez aspectos:
1. O medo – À s vezes, temos medo de não “estar por cima” na sala de aula. Todavia, essas ainda são situações marginais, embora abranjam um número crescente de estabelecimentos de ensino afetados pela crise urbana. Essas condições extremas podem parecer estranhas à essência da profissão de professor.
Entre o irreprimível pânico do professor jovem que exerce sua profissão em um colégio sinistro da periferia e as pequenas angústias de um professor aguerrido instalado em uma região tranqüila não existe. A instituição, a formação e a experiência tem a função de dominar os medos, pelo menos reduzi-los a proporções razoáveis ou simplesmente cala-los. Assim nem todos professores tremem todos os dias antes de entrarem em sala. Dos medos precisos ou das angústias difusas, pequenas ou grandes, presentes na profissão de professor, não se fala, ou se fala muito pouco.
2. A sedução negada – No ensino, a sedução enfrenta um duplo tabu: por um lado, tudo aquilo que a palavra idéia evocam no registro do desejo e da culpa, por outro, a recusa idealista de qualquer “manipulação”. O professor gostaria de acreditar que os alunos não aprendem pelos seus “belos olhos”, nem mesmo pelo jogo social organizado em torno do sucesso escolar, mas pelo valor intrínseco do saber. Ficção respeitável, porém joga um véu pudico sobre o que realmente se faz funcionar para envolver, atrair, “embarcar” todos os que não caíram, desde a infância, no caldeirão do saber...
3. O poder vergonhoso – A alternativa é, evidentemente deixar que as coisas ocorram e enfrentar os acontecimentos da melhor forma possível, sabendo que sempre será difícil, não por incompetência, mas porque é sempre árduo tomar a melhor decisão diante do imprevisto. Com o professor, o contrato não é o mesmo: pais, alunos, colegas, inspetores sempre lhe atribuem a imagem de alguém que supostamente sabe o que faz. Um professor estagiário ou até mesmo um professor mais experiente que, observado por um formador ou por um inspetor, assume sem vacilar o risco de um procedimento de projeto ou de uma situação aberta e que, se nada desse certo, dissesse tranquilamente que o sucesso nunca pode ser garantido, que o importante é tentar que tudo irá melhorar amanhã... tal serenidade só pode acontecer no caso de professores que tem uma identidade, uma solidez e um domínio muito acima da média. Como se fosse possível aceitar a parcela de desordem, de negociação, e de oportunismo indissociável das pedagogias abertas (Perrenoud, 1995b e 1996e).
4. Amadorismo ineficaz – Colocar o problema cruamente é correr o risco de parecer pouco criativo, funcionário, conformista, ou franco-atirador, desejoso e reinventar a roda para se proporcionar prazer... O verdadeiro profissional reconhece os dilemas e aceita que não pode simplesmente responder a eles de uma vez por todas. Também aceita expor-se ao julgamento crítico daqueles que consideram a dúvida uma fraqueza de caráter ou um sinal de incompetência...
5. Solidão Ambígua – Os próprios professores não se sentem muito à vontade com o poder e preferem andar como gatos sobre as brasas quando se trata de analisar o que acontece sob esse ângulo, tanto em um grupo-classe quanto em uma equipe pedagógica. O único poder de que se fala com tranqüilidade é o que pode ser denunciado por quem sofre com suas conseqüências. Eventualmente, pode-se aceitar o exercício de uma autoridade pedagógica como um mal necessário, uma condição de ensino e da equidade. É mais difícil reconhecer que é possível desfrutar o poder, que o desejo de ensinar não está muito distante do desejo de modelar o outro, de traçar seu caminho, de brincar de Frankestein. (Meirieu,1996)
6. A Avaliação Toda-Poderosa – No trabalho escolar a avaliação pode representar um terço ou mesmo 40 a 50% do tempo de presença na sala de aula. No tempo de trabalho pessoal do professor, a preparação das provas e sua correção pesam muito. No entanto, esse componente da profissão raramente é mencionado. Ele faz parte daquelas coisas que devem ser feitas, mas que não parecem ser muito gloriosas. Por quê? Porque há uma grande distância, por exemplo, entre quatro anos de estudos literários e a correção semanal de 25 a 30 dissertações de alunos; porque a avaliação é o componente menos confortável da prática, aquele em que a injustiça ameaça, aflora ou eclode, aquela em que o fracasso da escola manifesta-se através do fracasso de alguns alunos. (Perrenoud, 1993c)
7. Dilema da Ordem- é impossível preparar-se detalhadamente para tudo o que pode acontecer em uma sala de aula. No campo do saber, o professor pode encontrar-se nos limites do que controla, pelo menos se criar situações didáticas “de risco”. No campo das relações intersubjetivas e das dinâmicas de grupo, também é impossível prever tudo, exceto se houver uma repressão feroz.
8.A Liberdade Sem Responsabilidade – Os professores não lutam pela visibilidade porque, no atual estado de profissionalização de seu ofício, são tentados a jogar nos dois times: proteger sua liberdade sem se expor, em contrapartida, a uma verdadeira avaliação. E cada categoria profissional tem um interesse em projetar uma cortina de fumaça. Só que a tecida pelos professores é mais densa.
9. Tédio e Rotina – O professor sempre está tão ocupado, correndo de uma lado para o outro, que não pode interessar-se de forma séria e profunda por ninguém em particular. Portanto, há sensação de rotina não está ligada a pobreza dos problemas; ela provém de uma organização do trabalho que realmente só permite tratar dos problemas mais padronizados e condena a viver com os outros, habitando pela vaga, porém, desagradável, sensação de que seria possível fazer algo positivo se...
10. Defasagem Inconfessável – Aumenta a defasagem entre as normas dos especialistas e o que realmente pode ser feito em uma sala de aula comum. Quanto mais se desenvolvem os saberes eruditos nas situações de ensino e aprendizagem, mas os professores ficam condenados a agir tendo consciência de sua ignorância.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
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